D. Teresa Cristina: as múltiplas travessias de uma mulher do Oitocentos
A trajetória de d. Teresa Cristina Maria foi marcada por múltiplas travessias: a primeira, do mar, quando embarcou na fragata Constituição rumo ao Brasil, em 1843, deixando sua Nápoles natal, uma das cidades mais cosmopolitas da Europa desde a criação do Reino das Duas-Sicílias.
Separando-se de sua família para cumprir o destino de um casamento que intencionava reforçar alianças dinásticas entre os Bragança e os Bourbon, a jovem princesa tornava-se esposa do segundo imperador do Brasil, em cerimônia realizada por procuração, na Capela Real Palatina, em Nápoles.
Na viagem, trouxe seu dote e, com ele, uma expressiva biblioteca particular e artefatos arqueológicos, que simbolizavam a educação clássica e a formação de base iluminista, comum aos infantes na primeira metade do XIX. Esse primeiro desenraizamento do mundo, rumo ao continente americano, foi apaziguado pelo lugar seguro que encontrou em São Cristóvão e, pouco depois, em Petrópolis.
A construção do palácio de veraneio (vilegiatura), que talvez a fizesse lembrar dos dias passados em Caserta, na infância, conecta-se de forma singular com os primeiros anos da vida da jovem imperatriz em terras brasileiras. Era o início de tudo: do casamento, da experiência da maternidade, da familiarização com a corte brasileira e, também, com o refúgio que era construído na serra fluminense.
Na Povoação-Palácio de Petrópolis, criada por Decreto Imperial no mesmo ano de 1843, tudo era novo e estava por ser feito. Do mesmo modo, a trajetória de d. Teresa Cristina, enquanto imperatriz do Brasil, apenas se iniciava.
O Palácio de Petrópolis representa o que a jovem imperatriz construiu com o seu marido e, ainda hoje, guarda marcas de sua presença, como o quarto de dormir, onde se vê preservada a inicial do seu nome no estuque; as salas da imperatriz, de piano, de costura ou de visitas. Ambientes que a conheceram e a curadoria da exposição permanente busca recuperar desde a criação do Museu Imperial em 1940.
Além dos cômodos, os objetos e a iconografia revelam hábitos, modos de ser, pensar e sentir de uma mulher pertencente à elite Oitocentista. Mas, nem por isso, menos esquecida pela Historiografia.
Percorrer as salas do Palácio de Petrópolis é auscultar a presença da matriarca; é transpor-se para além da figura da consorte de d. Pedro II. É ouvir a dona da casa.
Cabe ao museu-casa dar voz às mulheres que, primeiramente, ocuparam o ambiente, que não é só a edificação que abriga o museu, mas foi, antes de tudo, um espaço de vivências, experiências compartilhadas, amores vividos, aprendizados diários, laços de sociabilidade e tramas que revelam a vida social, cultural e política das elites no Segundo Reinado.
O Palácio de Petrópolis representa também um ponto da partida para mais uma travessia na vida de d. Teresa Cristina. Agora, a última, de volta à Europa, rumo ao exílio, após os acontecimentos de 15 de novembro de 1889.
Em Petrópolis, encontrava-se o casal de imperadores, que assistia à missa na igreja matriz, em frente ao palácio, quando foram alertados da gravidade e da urgência do que se passava na Corte. Às pressas, com d. Pedro II, e tomada por forte apreensão, d. Teresa Cristina embarca no trem para o Rio de Janeiro e, de lá, dois dias depois, para a derradeira travessia. Faleceu em Portugal, na cidade do Porto, naquele mesmo ano, em 28 de dezembro.
Nas comemorações do bicentenário de seu nascimento, no dia 14 de março de 1822, o Museu Imperial apresenta a mostra “D. Teresa Cristina: as faces da terceira imperatriz do Brasil”, visando compartilhar com os visitantes itens do acervo que revelam parte do cotidiano, dos gostos, gestos, crenças e interesses de d. Teresa Cristina.
A mostra também é um convite à reflexão sobre o lugar das mulheres nos espaços públicos e privados; sobre o lugar das mulheres na memória e na História. Uma travessia que, rompe com estereótipos e convida todos para conhecerem mais de perto d. Teresa Cristina, uma mulher mais silenciada que silenciosa. Silenciamento que, como toda forma de apagamento, expõe um exílio sem fim, reiterado ao longo dos anos. Assim, a mostra homenageia a imperatriz sem deixar de sublinhar uma reflexão sobre o lugar das mulheres nas sociedades, de ontem, de hoje e do porvir.
O Museu Imperial convida todos para descobrirem as marcas de d. Teresa Cristina no Palácio de Petrópolis!
Alessandra Fraguas – Área de Pesquisa